Escrever sobre Governança no âmbito da Gestão Hospitalar é uma tarefa complexa. O assunto exige uma visão estratégica abrangente, múltiplos conhecimentos e apoios interdisciplinares – tanto das áreas-fim envolvidas diretamente no processo assistencial, como das várias interfaces existentes em um hospital (cada uma com seu objetivo particular), cujo leque de competências e potenciais deve ser integrado em um propósito único (atendimento das expectativas de pacientes e familiares).
Coloque neste molho a necessidade de gerir relacionamentos interpessoais complexos, que exigem enorme dedicação e fundamentação técnica nas abordagens do dia-a-dia, e pronto: Está feita a salada!
Nos hospitais temos tantas atividades concomitantes, que não é exagero algum dizer que a liderança concentra a responsabilidade administrativa de 8, 9 empresas em apenas uma – afinal, além da atividade-fim, que é a assistência médico-hospitalar, temos ainda vários outros processos “pesados” de produção na cadeia hospitalar. Basta lembrar de alguns processos industriais, como a nutrição, a hotelaria, a limpeza, a dispensação de medicamentos, dentre outros tantos.
Para dar conta deste desafio, as lideranças hospitalares devem ser fluentes no diálogo com diversos profissionais – cada qual com a sua lista de prioridades, seus vocabulários próprios e especificidades operacionais – e fomentar constante interação, para que a instituição hospitalar ofereça um atendimento seguro e satisfatório.
Muitas dinâmicas recorrentes do ambiente hospitalar não são treinadas nem apresentadas em nenhum curso de formação, e os profissionais acabam aprendendo apenas na prática, na rotina do dia-a-dia e no modo de ser de cada hospital.
Como se este cenário de complexidade já não fosse suficiente, a velocidade exigida para a tomada de decisões em uma organização que lida com vidas é alucinante, motivo pelo qual as lideranças devem desenvolver apurado senso crítico, sempre utilizando instrumentos de gestão e controles que tragam para um patamar razoável de entendimento as situações do cotidiano. Como fazer isso?
Por convicção, digo que a literatura trivial de qualidade, gestão e produtividade é fantástica para resolver problemas, e, pasmem, ainda não tem seus conceitos básicos disseminados no segmento hospitalar. Por exemplo, não canso de demonstrar o benefício da aplicação das tradicionais ferramentas da qualidade na construção de um sistema de gestão eficiente. Ainda me assusta constatar que hospitais em geral não possuem controles básicos de tempos e movimentos.
Em um passado bem recente, com a inserção de modelos de acreditação e outras certificações no Brasil, os hospitais foram estimulados à desenvolver mapas, rotinas e padrões internos, utilizando instrumentos simples, como fluxogramas, folhas descritivas de processos, até mesmo organogramas (estou falando de um processo muito recente, de cerca de apenas 20 anos).
Como tudo que é novo desperta a curiosidade e a imaginação, volta e meia me deparo com profissionais muito bem intencionados, mas que estão tentando redescobrir a roda.
Aqui vai uma dica valiosa: Isso não é necessário. Já existem instrumentos consagrados e eficazes, simples de serem implantados. Basta dedicação, atenção e vontade. Pude, ao longo da minha carreira em hospitais, verificar a pouca (ou nenhuma) importância destinada às ações organizacionais de base.
Presenciei reuniões e reuniões em que muito era discutido, pouco era anotado e nada era objetivamente realizado. Reuniões que terminavam sem objetivos práticos definidos, recorrentemente. Lidei com hierarquias informais, que proliferaram neste ambiente complexo, dificultando a gestão e fortalecimento de lideranças formais.
Vi muitas situações de ausência proposital de controles, com conflito de interesses. O famoso “tapar o sol com uma peneira”, por conveniências e zonas de conforto. A boa notícia, é que este cenário caótico não resiste às ferramentas mais simples.
Nesta linha de abordagem organizacional, além da implantação de ferramentas que profissionalizem a comunicação institucional, é crucial para o gestor o estabelecimento de indicadores de referência, de um mapa de objetivos e metas, formalmente estabelecido e reconhecido pela alta administração.
Desenvolvi um modelo de abordagem que tem uma uma sistemática modular, que chamo de GESTÃO 4A. Consiste no encadeamento do planejamento, alinhado e formatado de forma estruturada e sinérgica nos grandes processos do ambiente hospitalar, que materializam-se em abordagens exploratórias de como devem ser percebidas as quatro dimensões (4As) existentes em qualquer hospital:
Primeiro A: Assistência
Nesta dimensão devem ser descritas, formalizadas e declaradas institucionalmente para todos que atuam na atividade-fim, as expectativas do modelo assistencial, integrando e monitorando indicadores, protocolos, linhas de cuidado e premissas de qualidade e segurança. É nesta dimensão que deverá ser trabalhada, de forma gradativa e educativa, a percepção dos atores envolvidos para o registro, análise crítica e intervenção em fatores de risco e em não-conformidades. É o processo fundamental, primordial, para o qual deve existir a integração das outras dimensões, citadas a seguir;
Segundo A: Administração
É o esqueleto intelectual, o arcabouço que torna possível avaliar a eficácia e pertinência dos atos globais de gestão e de apoio estrutural do sistema hospitalar. É nesta dimensão, apenas como um exemplo, que concatenamos a consciência para os postos de enfermagem de como é importante o preenchimento adequado do prontuário, e as consequências deste ato lá na frente, no faturamento, por exemplo.
É uma zona de trabalho contínuo, intermitente, que demanda método, persistência, convicção e respaldo do Alto Comando Hospitalar para atingir a maturidade operacional. É onde se define qual será o futuro a ser atingido, e que inteligência de gestão o hospital irá desenvolver.
Terceiro A: Abastecimento
Consiste na profissionalização de todas as plataformas logísticas que operam no ambiente hospitalar – com todas as características que permitem à instituição estar completamente abastecida, no tempo e na condição adequada, para que os processos aconteçam dentro dos parâmetros definidos de sustentabilidade, segurança e qualidade. É nesta esfera que criamos um alinhamento positivo, colaborativo (e não competitivo) de todas as áreas industriais, com metas compartilhadas e uma visão única dos desafios que devem ser enfrentados. É onde se define a inteligência logística e a capacidade de organizar as forças internas.
Quarto A: Acolhimento
Nesta dimensão residem os “momentos da verdade”. Pontos nos quais o cliente externo firma seus conceitos sobre o atendimento recebido. É a verdade do cliente, inquestionável, que deve ser percebida, monitorada e revertida em padrões posturais, ambientes positivos, processos organizados, pontualidade, formatos de resposta, eficiência de agendas, fluxos e investimentos.
É onde se define qual será inteligência emocional do ambiente hospitalar.
Estruturar a governança hospitalar nestas quatro dimensões, ou talvez melhor seja dizer “esferas”, já que nenhuma se sobrepõe às outras em importância, tem efeito imediato na compreensão dos colaboradores, que naturalmente posicionam-se como players de uma das dimensões, mas que rapidamente percebem que não há como ser absoluto com apenas uma das esferas.