Uma vez eu tive uma paciente, a senhora Alice, 87 anos. Conheci à Sra. Alice quando estava no último ano da faculdade, durante meu internato em um hospital público e rapidamente me comoveu e me identifiquei com ela e com sua família.
Era a quarta vez no ano que era hospitalizada por diabetes descompensada, úlceras de pressão em diversas partes do corpo e infecção urinária. Dona Alice sofria de hipertensão, diabetes mellitus, Alzheimer, tinha hemiplegia direita, sequela de um AVC (acidente vascular cerebral) anterior e estava visivelmente desnutrida, porque não conseguia engolir, além de outras complicações próprias das doenças pré-existentes. A família até esse momento tinha sido pouco orientada sobre os cuidados que deveria ter com aquela senhora e isso era algo que não podia deixar passar.
Durante essa hospitalização conseguimos controlar o diabetes, a hipertensão, as úlceras estavam limpas, mas infelizmente a infecção urinária virou uma sepses e ela foi para UTI. Como disse antes, eu me sentia identificado com a Sra. Alice e com a família dela, pelo que todo dia quando acabava meu plantão passava pela UTI para conversar com ela, com o médico responsável e depois com a família, que precisava compreender muitas coisas. Infelizmente, não foi surpresa quando no quinto dia na UTI li no prontuário dela “esperando óbito”.
A surpresa realmente veio, quando depois de três semanas soube que Dona Alice sairia da UTI, então solicitei sua transferência para meu setor e ela estava de volta.
Junto com a equipe de enfermagem, nutrição, fisioterapia, farmácia, laboratório e até assistência social (para quem Dona Alice era uma velha conhecida) conseguimos que ela tivesse todos seu exames de controle logo, aumentasse sete quilos, todas as úlceras fechassem e com os exercícios duas vezes por dia, ela fortaleceu seus músculos e depois de muitos meses só deitada no leito, conseguiu permanecer sentada em uma cadeira de rodas e sair para tomar sol. Um detalhe que me esqueci de contar, ela não falava, só emitia sons guturais, sobretudo quando sentia dor e tinha fome, porém pela primeira vez, desde que a atendia, escutei, pelo menos eu juro, ela conseguir falar e dizer “obrigado”.
Foi assim que chegou o dia em que Dona Alice foi dada de alta do hospital e a família me pediu para que a acompanhasse com consultas domiciliares e treinasse as pessoas que cuidariam dela. Duvidei por um segundo, porque evidentemente não tinha meu CRM para exercer (e a família sabia), mas quando me virei e a vi novamente não consegui dizer não.
Durante os seguintes 3 anos acompanhei à senhora Alice, sem necessidade de ser hospitalizada de novo, até que uma noite depois de dormir, não voltou a acordar.
Dona Alice foi literalmente minha primeira paciente e ela e sua família me ensinaram muito além do que aprendi nos 6 anos nas salas de aula da faculdade de medicina, e até hoje não conheci uma melhor professora.
Tanto na sua como na minha formação acadêmica, sempre fomos norteados a sermos profissionais humanistas. Acredito que tanto você quanto eu já tínhamos o espírito de visão holística e esse texto “Quando o Paciente é nosso melhor Professor”, mostra o quanto trabalhou o paciente como o contexto dele (família), mesmo quando a paciente saiu de seu setor. Quando todos já estavam sem perspectiva de sobrevida da paciente, uma reviravolta aconteceu e você como profissional que dá valor ao seu paciente qualificando cada vez mais o seu trabalho, usou o que para nós enfermeiros chamamos de o sistema triangular, muito difícil de acontecer na área da saúde que é: o trabalho multi, trans e interprofissional, ou seja, todos os setores trabalhando em prol do paciente que, neste caso, só ganhou. Esse contexto de trabalho seria o ideal na saúde, mas infelizmente quase não acontece. Parabéns!