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Como levar Médicos para áreas mais Carentes?

Parte desta matéria foi palestrada pelo Dr. Juljan Czapski, no Congresso da Federação Peruana de Administradores em Saúde (Fepas), realizado em Lima – Peru, em maio de 2009, pioneiro da saúde do Brasil e criador da primeira empresa de medicina de grupo do país e os planos de saúde.

Intitulada “Fixação de Recursos Humanos Qualificados em Regiões Não Desenvolvidas”, a apresentação faz pensar para além dos problemas hoje apontados nas notícias sobre o atual programa governamental “Mais Médicos”.

“Um dos maiores problemas de difícil solução, na área de saúde é a fixação de profissionais em áreas subdesenvolvidas e muitas vezes até em áreas periféricas de grandes centros urbanos”.

As tentativas para a solução do problema tentadas no Brasil estão fadadas ao fracasso. Baseadas principalmente em uma remuneração convidativa, ou tentando obrigar recém-formados a estagiarem em regiões distantes, pouco desenvolvidas. Não se leva em consideração uma série de fatores socioeconômicos, ambientais e culturais que são essenciais na hora de negociar com o profissional médico.

Como exemplo, podemos citar um trabalho realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento na Ilha do Marajó na Amazônia, a maior ilha fluvial do mundo.

Durante grande parte do ano, a maioria das áreas da ilha está alagada e só existem meios de condução por via fluvial. As casas estão construídas sobre palafitas. Nestes povoados praticamente não há pessoas com educação de nível superior. As comunicações são deficientes, internet não funciona, não existe infraestrutura de saúde pública.

O governo do Estado do Pará ofereceu salários e condições convidativas aos médicos. Alguns se candidataram, mas quem mais tempo ficou nos postos, ficou por três meses.

A única solução possível encontrada nestas áreas foi dar um bom treinamento a pessoas não profissionais da região, para dar primeiros socorros, realizar vacinações, promover hidratação oral e principalmente avaliar a gravidade da situação para poder promover a remoção do doente por helicóptero ou lanchas, até um centro com recursos, no caso, a cidade principal da ilha.

Esse pessoal também deve ser treinado para dar assistência às grávidas e ao parto. É essencial que haja um treinamento eficiente e uma supervisão por médicos e enfermeiros não residentes, mas também um programa de visitas constantes para fazer uma supervisão e treinamento permanente.

Outro fator limitante para fixar profissionais são as condições ambientais. Podemos citar, por exemplo, Tabatinga na Amazônia. A água nem sequer é clorada. Todo o lixo, inclusive do mesmo hospital existente, é queimado no quintal. Não há coleta de esgoto. O médico mesmo com uma boa remuneração não quer ficar na cidade. Por falta de profissional habilitado, o cirurgião dentista realiza cirurgia geral de menor porte, no hospital do exército, o melhor da região.

E isso não acontece só com profissionais da área da saúde, o Ministério da Educação também tem dificuldades, implantou uma escola técnica em Tabatinga, porém, não consegue contratar pessoal docente qualificado para realizar o ensino.

Esses poucos exemplos podem dar uma ideia das dificuldades reais que existem para atrair profissionais de saúde para essas regiões. A pesar disso, existem exemplos que provam que é possível reverter essa situação.

Na época dos anos 60, existiu uma experiência positiva para enfrentar esse problema, da Fundação SESP – Serviço Especial de Saúde Pública tinha uma política especial com bons resultados:

  • Escolhia as regiões problemáticas e lá estabelecia postos de serviços com serviços ambulatoriais, educação sanitária e alguns leitos para casos de urgências.
  • Não se enviavam para lá simplesmente médicos, enviava-se uma equipe de saúde. Esta equipe consistia no mínimo por um médico generalista, um médico de saúde pública, enfermeira, educadora sanitária, técnico de laboratório, para realizarem exames básicos e eventualmente outros necessários em vista das condições locais.
  • Agentes de saúde locais eram treinados para auxiliar essa equipe.
  • Cada equipe era ligada a uma instituição de ensino que lhe dava suporte. E dispunha de meio de transporte para em caso de necessidade, remover um paciente. As equipes levavam também um projeto de pesquisa, com a garantia de que, se bem realizado, seria publicado.
  • Além do mais, havia um plano de cargos e funções que garantia aos participantes das equipes que se destacassem, cargos em estabelecimentos de ensino ou bolsa de estudo para aperfeiçoamento no país ou em universidades estrangeiras.
  • A área de atenção de cada equipe tinha um território delimitado, o que possibilitava a avaliação das melhorias sanitárias conseguidas por suas atividades.
  • Também é essencial que a equipe tenha a garantia de atendimento de casos complexos em centros adequados.

Como exemplo positivo, também podemos dizer que no Peru, existe um sistema de rodizio de profissionais anualmente. O profissional pode, ao término do seu contrato, voltar para sua cidade ou solicitar mudança de cidade, com a garantia de que outro profissional irá substituí-lo, para não perder todo o trabalho feito nas comunidades.

Outra motivação é que o profissional médico não faz só sua função assistencial, ele também administra um orçamento para melhorias do posto de saúde, e participa, em muitos casos, das reuniões das autoridades locais para melhorias de saúde pública e saneamento básico dá área.

Hoje também se discute no Peru, a possibilidade de que os profissionais de saúde tenham um seguro de vida e contra acidentes, porque sabemos que algumas áreas, os profissionais arriscam sua própria vida em favor de cumprir com sua vocação.

No Brasil, para os presidentes do Conselho Federal de Medicina, Roberto d’Ávila, e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira, os médicos iriam pro interior dos estados e áreas mais afastadas, se houver estrutura e carreira de estado, como se dispõem para promotores, militares e juízes.

Toda essa experiência mostra que existem soluções para levar profissionais de saúde para áreas mais carentes e afastadas dos grandes centros urbanos e que existem condições, além da remuneração, essenciais para esse propósito: existência de uma equipe, condições de moradia, condições adequadas de trabalho, metas profissionais estabelecidas e contato com centros mais avançados para consultas e orientação.

Médico especialista em Administração Hospitalar e Marketing em Saúde. Autor do composto "10 P's do Marketing em Saúde". Professor do curso online Marketing Estratégico para Clínicas e Empresas de Saúde. CEO da HMDoctors, Assessor da Stratas Partners (Suíça) para o acesso ao mercado hospitalar brasileiro, Consultor de Gestão de Carreira e Marketing Médico, e Revisor de artigos e publicações sobre Gestão, Empreendedorismo e Marketing em Saúde para a revista eletrônica Gestão e Saúde da Universidade de Brasília - UNB. Formado em medicina com pós graduação em epidemiologia, formado em administração hospitalar e MBA em organizações hospitalares e sistemas de saúde pela FGV. 16 anos de experiência em hospitais públicos, privados, institutos de pesquisa clínica e consultor para empresas nacionais e multinacionais.

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