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Carta de um médico Brasileiro aos médicos Cubanos.

A carta abaixo representa o sentimento de boas vindas que transmite o Dr. David Oliveira de Souza, 38, professor do Instituto de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, e ex-diretor médico do Médicos Sem Fronteiras no Brasil entre 2007 e 2010,  de uma forma educada e objetiva, pela chegada de seus colegas cubanos ao programa mais médicos.

Bem-vindos, médicos cubanos! Vocês serão muito importantes para o Brasil. A falta de médicos em áreas remotas e periféricas tem deixado nossa população em situação difícil. Não se preocupem com a hostilidade de parte de nossos colegas. Ela será amplamente compensada pela acolhida calorosa nas comunidades das quais vocês vieram cuidar.

A sua chegada responde a um imperativo humanitário que não pode esperar. Em Sergipe, por exemplo, o menor Estado do Brasil, é fácil se deslocar da capital para o interior. Ainda assim, há centenas de postos de trabalho ociosos, mesmo em unidades de saúde equipadas e em boas condições.

Caros colegas de Cuba, é correto que nós médicos brasileiros lutemos por carreira de Estado, melhor estrutura de trabalho e mais financiamento para a saúde. É compreensível que muitos optemos por viver em grandes centros urbanos, e não em áreas rurais sem os mesmos atrativos. É aceitável que parte de nós não deseje transitar nas periferias inseguras e sem saneamento. O que não é justo é tentar impedir que vocês e outros colegas brasileiros que podem e desejam cuidar dessas pessoas façam isso. Essa postura nos diminui como corporação, causa vergonha e enfraquece nossas bandeiras junto à sociedade.

Talvez vocês já saibam que a principal causa de morte no Brasil são as doenças do aparelho circulatório e que temos um alto índice de internações hospitalares sensíveis à atenção primária, ou seja, que poderiam ter sido evitadas por um atendimento simples caso houvesse médico no posto de saúde.

Será bom vê-los diagnosticar apenas com estetoscópio, aparelho de pressão e exames básicos, pais e mães de família hipertensos ou diabéticos, e evitar assim, que deixem seus filhos precocemente por derrame ou por infarto.

Será bom vê-los prevenindo a sífilis congênita, causa de graves sequelas em tantos bebês brasileiros, somente porque suas mães não tiveram acesso a um médico que as tratasse com a secular penicilina.

Será bom ver o alívio que mães ribeirinhas ou das favelas sentirão ao vê-los prescrever antibiótico a seus filhos, após diagnosticar uma pneumonia. O mesmo vale para gastroenterites, crises de asma e tantos diagnósticos para os quais bastam o médico e seu estetoscópio.

Não se pode negar que vocês também enfrentarão problemas. A chamada “atenção especializada de média complexidade” é um grande gargalo na saúde pública brasileira. A depender do local onde estejam, a dificuldade de se conseguir exame de imagem, cirurgias eletivas e consultas com especialista para casos mais complicados será imensa. Que isso não seja razão para desânimo. A presença de vocês criará demandas antes inexistentes e os governos serão mais pressionados pelas populações.

Para os que ainda não falam o português com perfeição, um consolo. Um médico paulistano ou carioca em certos locais do Nordeste também teria problemas. Vai precisar aprender que quando alguém diz que está com a testa “xuxando” tem, na verdade, uma dor de cabeça que pulsa. Ou ainda que um peito “afulviando” nada mais é do que asia. O útero é chamado de “dona do corpo”. A dor em pontada é uma dor “abiudando” (derivado de abelha).

Já atuei como médico estrangeiro em diversos países e vi muitas vezes a expressão de alívio no rosto de pessoas para as quais eu não sabia dizer sequer bom dia –situação muito diferente da de vocês, já que nossos idiomas são similares.

O mais recente argumento contra sua vinda ao nosso país é o fato de que estariam sendo explorados. Falou-se até em trabalho escravo. A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) com um século de experiência, seria cúmplice, já que assinou termo de cooperação com o governo brasileiro.

Seus rostos sorridentes e suas palavras nos aeroportos negam com veemência essas hipóteses. “Somos médicos por vocação, não nos interessa um salário, fazemos por amor”, afirmou Nelson Rodrigues, 45. “Nossa motivação é a solidariedade”, assegurou Milagros Cardenas Lopes, 61. “Viemos para ajudar, colaborar, complementar com os médicos brasileiros”, destacou Cardenas em resposta à suspeita de trabalho escravo. “O salário é suficiente”, complementou Natasha Romero Sanches, 44.

Em nome de nosso povo e de boa parte de nossos médicos, só me resta dizer com convicção: Um abraço fraterno e muchas gracias.

Todos nós esperamos que a classe médica brasileira encontre a melhor forma de conviver e trabalhar em conjunto com os demais médicos estrangeiros.

Médico especialista em Administração Hospitalar e Marketing em Saúde. Autor do composto "10 P's do Marketing em Saúde". Professor do curso online Marketing Estratégico para Clínicas e Empresas de Saúde. CEO da HMDoctors, Assessor da Stratas Partners (Suíça) para o acesso ao mercado hospitalar brasileiro, Consultor de Gestão de Carreira e Marketing Médico, e Revisor de artigos e publicações sobre Gestão, Empreendedorismo e Marketing em Saúde para a revista eletrônica Gestão e Saúde da Universidade de Brasília - UNB. Formado em medicina com pós graduação em epidemiologia, formado em administração hospitalar e MBA em organizações hospitalares e sistemas de saúde pela FGV. 16 anos de experiência em hospitais públicos, privados, institutos de pesquisa clínica e consultor para empresas nacionais e multinacionais.

3 comentários em: “Carta de um médico Brasileiro aos médicos Cubanos.

  1. Que felicidade poder ter lido este texto, sou enfermeiro de formação e o que falta é mais humanidade! PARABÉNS!

  2. Caro Edgar, não estou totalmente de acordo com a visão do Prof. Souza. A população brasileira não foi consultada se queremos apoiar um Estado ditatorial como Cuba, aonde não há respeito aos direitos humanos básicos. Este é um projeto político-partidário pensado há tempos. O mesmo poderia ter sido projetado de outra forma como uma verdadeira política de saúde básica para a população. Temos capacidade para tanto. O nosso programa de imunização e cobertura vacinal é um exemplo, assim como o combate à desnutrição infantil.

  3. Os pacientes de origem humilde querem muitas vezes serem ouvidos, terem seu direito à saúde garantido, por isso como técnica de enfermagem concordo com o texto acima, pois ele nos dá a dimensão da realidade. O sorriso de uma criança após uma dose de atenção e carinho, bem como o alívio dos pais são fatores que engrandecem a nós, profissionais da saúde. Muitas vezes doses de amor e dedicação valem mais do que medicamentos.

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